sexta-feira, março 24, 2006

Monólogo das Mãos


(Ghiaroni)

Para que servem as mãos?
As mãos servem para pedir, prometer, chamar, conceder, ameaçar, suplicar, exigir, acariciar, recusar, interrogar, admirar, confessar, calcular, comandar, injuriar, incitar, teimar, encorajar, acusar, condenar, absolver, perdoar, desprezar, desafiar, aplaudir, reger, benzer, humilhar, reconciliar, exaltar, construir, trabalhar, escrever......
As mãos de Maria Antonieta, ao receber o beijo de Mirabeau, salvou o trono da França e apagou a auréola do famoso revolucionário;
Múcio Cévola queimou a mão que, por engano não matou Porcena;
foi com as mãos que Jesus amparou Madalena;
com as mãos David agitou a funda que matou Golias;
as mãos dos Césares romanos decidiam a sorte dos gladiadores vencidos na arena;
Pilatos lavou as mãos para limpar a consciência;
os anti-semitas marcavam a porta dos judeus com as mãos vermelhas como signo de morte!
Foi com as mãos que Judas pôs ao pescoço o laço que os outros Judas não encontram.
A mão serve para o herói empunhar a espada e o carrasco, a corda;
o operário construir e o burguês destruir;
o bom amparar e o justo punir;
o amante acariciar e o ladrão roubar;
o honesto trabalhar e o viciado jogar.
Com as mãos atira-se um beijo ou uma pedra, uma flor ou uma granada, uma esmola ou uma bomba!
Com as mãos o agricultor semeia e o anarquista incendeia! As mãos fazem os salva-vidas e os canhões;
os remédios e os venenos; os bálsamos e os instrumentos de tortura, a arma que fere e o bisturi que salva.
Com as mãos tapamos os olhos para não ver, e com elas protegemos a vista para ver melhor. Os olhos dos cegos são as mãos.
As mãos na agulheta do submarino levam o homem para o fundo como os peixes; no volante da aeronave atiram-nos para as alturas como os pássaros.
O autor do "Homo Rebus" lembra que a mão foi o primeiro prato para o alimento e o primeiro copo para a bebida;
a primeira almofada para repousar a cabeça, a primeira arma e a primeira linguagem. Esfregando dois ramos, conseguiram-se as chamas.
A mão aberta,acariciando, mostra a bondade;
fechada e levantada mostra a força e o poder;
empunha a espada a pena e a cruz!
Modela os mármores e os bronzes; da cor às telas e concretiza os sonhos do pensamento e da fantasia nas formas eternas da beleza.
Humilde e poderosa no trabalho, cria a riqueza;
doce e piedosa nos afetos medica as chagas, conforta os aflitos e protege os fracos.
O aperto de duas mãos pode ser a mais sincera confissão de amor, o melhor pacto de amizade ou um juramento de felicidade.
O noivo para casar-se pede a mão de sua amada;
Jesus abençoava com a s mãos;
as mães protegem os filhos cobrindo-lhes com as mãos as cabeças inocentes.
Nas despedidas, a gente parte, mas a mão fica, ainda por muito tempo agitando o lenço no ar. Com as mãos limpamos as nossas lágrimas e as lágrimas alheias. E nos dois extremos da vida, quando abrimos os olhos para o mundo e quando os fechamos para sempre ainda as mãos prevalecem.
Quando nascemos, para nos levar a carícia do primeiro beijo, são as mãos maternas que nos seguram o corpo pequenino.
E no fim da vida, quando os olhos fecham e o coração pára, o corpo gela e os sentidos desaparecem, são as mãos, ainda brancas de cera que continuam na morte as funções da vida.
E as mãos dos amigos nos conduzem...E as mãos dos coveiros nos enterram!

domingo, março 12, 2006




Meu amor está preso
Como passarinho em arapuca.
Dói meus suspiros-quem-me-dera...
Porque adormeci cantando teu nome
debaixo das estrelas que ninavam
lembranças azuis...
Meus olhos sentem falta do teu gosto.
Sabor de girassol na minha boca
Com o "abraçar das asas de todos os pássaros"
que fazem de ti meu travesseiro de sonhar
e toda minha vontade de sorrir.

sábado, março 11, 2006


Quando pensava criança,
Libélulas eram fadas...
Maçãs, aqueles doces de amor...
Mas as histórias diziam que amor também matava.

Tinha medo de maçãs...
Especialmente as do amor.

Choro, se engolia...
Parecia remédio,
Era ruim que só vendo.
Cocada também era cascudo,
e não como a goiabada não,
doía...

Sopa era igual livro...
Tinha letrinhas e bichinhos
E todos tinham cores.
Vegetariano era parente de marciano,
Todos verdes e de outro planeta.

Frango era cocó,
Nada parecido com o parente do côco
Achava sempre que o acento tava no lugar errado.
Olho bonito era de jabuticaba,
de mel, ou da cor do céu.


E quando a mamãe mandava eu ir pra cama,
Não era castigo, não...
eu mimia e sonhava
brinquedos e passeios.

Ainda vejo fadas...

terça-feira, março 07, 2006

o grande samba disperso


João Policarpo fala, longos ais. Se canta: mau pranto. Perfunctório. Agarrado de angústias. Cuida de: mentiras, saudades, traição, lembrança.



- A situação parou, meu coração se afundou. Ora, a vida. Entestei com grande espanto, artifícios de ilusão. Não desminto desta fé - o que eu em mim era verdade. Amar, mais era, era proibido. Maria das Mercês... Mas ela era mulher, mulher, simpatia mal mostrada. Ela estava junto a mim, não em minha companhia; em suas faces era de noite, em seus olhos era de dia... Promessa feita – amor desfeito. Se abraçou com minhas pernas ao pé-da-cruz. Só as lagriminhas, quase – dessas águas crocodilas. Só a que seu tanto não sofreu, é que ama com falsidades. O que foi, já manhã clara. De um juramento que dei: que o meu perdão eu não dava. Maria’s Mercês da maldade. Não perdi nenhum valor, amor sofrido dobrado. Cumpro minha obrigação de dor, meu senhor. Estou alegre de trono, só choro estas poucas lágrimas. Amanhã vou esquecer, depois então vou saber: saudade é chateação, pensamento com cansaço. Saí de lá com o coração muito bandido. Saí, senhor. Ninguém dê notícias minhas. Eu não posso chegar à razão, de umas tantas criaturas Maria passou pela tarde. Só – o que sei – é cidade e amor; para que fazer caso? Urubu que praguejou, há-de a ver que não me mate. Desculpe franquezas minhas, mas eu estou na liberdade. Guardei paixão? Agora eu estou em outrora, veja, vou compor aquela tristeza. O tremido do meu ser, que é o viver desnorteado. Agora, se vou lá ver. Sozinho é que sei sofrer. Mas, antes, penar constante, que se usar o mal-comprado. Crescer, mercês de saudade. Aqui estou João Policarpo, um servo do senhor, meu senhor. O senhor quem será, sua graça?
- Amorearte de Almeida (doutor, não-compositor). – Vejo as muralhas da cidade. Reflito-as: vastas, várias, as ondas individuas, miríades demais. Tenho nos meus ouvidos este sinapismo de sons. O povo popular, a rua estrábica, a pânica floresta, um frondoso gemer, um tudo chão, denso como um bambual, as enfeitiçagens, a preparação do prazer, o paraforamento; luzes, numa remotidão de estrelas; e sempre a noite, antiqüíssima – nigrícia. Desesperem-se-me os fatos. O círculo do amor, tão repetido: esta é a água de fontes amargas. O silêncio é moralmente incompleto. Enquanto o tempo não parar de cair, não teremos equilíbiro. Vou ao vento, para meu assento. Vou? Eu ouço. Ou não ou? Mas sou teu irmão. Muito prazer.
Policárpio (sério). – Agradecido.
João Do Colégio (vem, recitando sozinho). – Desde que choveu,
Minha Mãe, doeu muito esta cidade...
Amorearte. – E você quem é, trôpego efebo?
Do Colégio. – Sou só o irmão da Mercês, ela me mandou com um
recado. Saber se já pode voltar...
Policarpo. – Nunca nunca!
Amorearte. – Num canunca está você – canunca infausto.
Policarpo. – Sou homem. Sei o que não quero...
Amorearte. – Sabe-se a quantas? Sabe quem você-mesmo é, você se entende, o que quer? Você quererá é: medula, banzo, descordo para desenfastiar, zambumba, gemidão de urso, palavras de doce escárnio, horas de inteira terra; meia-noite em relógio, dispersão de outras mágoas, ver a vida em grandes grãos, morder o dia, encher a noite; ser o alegre alguém, na operação de mudar de amor, fauno feito; chorar barrigudamente, um grito próprio para a alma ouvir, entremeio aos romances; dar suas proclamações de dor, de dor de amor de mentira; chorar, de qualquer maneira: eis o problema; tal bruaá... Você diz: o triste de mim... Você, navegador de limo e lodo, por derrota repetida. Você se esbalhou e esbandalhou-se, nos quantos caminhos da cidade, então seu espírito parou as máquinas. Você está é sufocado de amor, cuja uma paixão ingovernada. Ou você beija, ou mata.
Policarpo. – Eu penso que...
Amorearte. – Cale-se. O pensamento é um fútil pássaro. Toda razão é medíocre. Viver é respirar; pensar já é morrer. Só Deus é dono de todas as simultaneidades. Só há um diálogo verdadeiro: o do silêncio e da voz. Se quer dizer alguma coisa, diga, por exemplo:... em minha alma se abriu, esta hora, um golfo de Guiné...
Policarpo. – Mas, a ingratidão...
Amorearte. – Isto é o contramotivo. O mugido do vento é uma mugido de cobra. Coragem, mais!
O Morenão (não entra, cantando). – se eu fiz chorar, foi legal...
Amorearte. – E você, quem é, vil hermeneuta? Que é isso?
O Morenão. – O breque. Sou um que foi o homem da Maria das Mercês. Sou mais não. Tudo se acabou tanto, que nem houve. Só foi um engano.
Amorearte (a Policarpo). – Está vendo? Perceba-se, Porlicarpo!
Policarpo. – seja o que for, meu senhor. Ela...
Amorearte. – Sempre tem ela. Bela, flor para impurezas, a rara
Natureza – para você. Mais rara que ela, só a malva amarela, eu sei, eu sei... Seus beiços bugres... Pavã, pavoa. Você queria era ser pedrinha no sapato dela. Mas você gosta dela?
Policarpo. – Não amuo de outra tristeza...
Joaquim Imaculado (passa, cantando). – Mas, afinal, que tenho eu, com peru que outrem comeu?...
Amorearte. – E quem é você, tão recém-chegado? Você vem lá: vejo a tristeza... Agacha-te, escriba!
Joaquim Imaculado. – Serviços, meu senhor. Sou um que ia ser, daqui a muitos anos, o homem da Maria das Mercês. Vou ser mais não. Ia ser só um engano.
Amorearte (a Policarpo). – Está vendo? Concerte-se, Policarpo!
Policarpo. – O bom , para mim, se acabou. Tudo é passado... Me indiguina.
Amorearte. – Mulheres passadas é que movem amores. Tira o sentido disso, Policarpo. Refresca teu coração. Sofre, sofre, depressa, que é para as alegrias novas poderem vir...
Maria das Mercês (chega, chorosa e esplendente). – Triste foi aquele dia, de saudades replantado... Não fui eu que estive em teus braços? No mundo quem te viu, ainda não existiu o outro homem... Sinto no peito, por fora, é o suor? E por dentro, meu amor? De te perder devagar, não sou de me conformar. Debaixo dessa promessa, ai, ai, ai, sem um tiquinho de gratidão, sem uma compreensão, sinto esta separação, que ela só me perambula... Eu quero querer tudo com você, um carinho, um amor, e você está só é aprendendo a amar... Meu amor de enlouquecer, esperar é esta minha agonia... terá sido um amor que eu perdi?
Policarpo. – Ingrata! Perdemos...
Amorearte. – Alto lá! Basta. Um momento. Seja não, não, sim, sim; mas, vejam bem, se perderam, mesmo. Amor perdido é amor que não foi achado: não-amor. Não o amor-mor, o mor amor. Mas falso amor, algum engano. O falso-amor é um biombo, o mor-amor é um ribombo.
Então, se não é, resolvam: e... pirai-vos! – oh grandes entes imorais... Perdido por um, perdido por mil... – como dizem as cachoeiras...
Policarpo. – Ela...
Mercês. – Ele...
Amorearte. – um momento! Coma a natureza humana decaída, eu me entendo. Vocês dois estão quais quiabos no oásis. Se querem dizer alguma coisa, digam, por exemplo: ... Laço foi o que me trouxe. Minha carne viu por meus olhos. Mundo isolado de mim. Bom-grado vou. Amanhã e estrelas. Sinto-me. Quando sinto, minto? Meu teu meu-amor...
Mercês. - ... ai, ai, ai.
Policarpo. - ... ê ê ê, ô ô ô.
Amorearte. – Unissoou. Amor renhido, amor crescido. Cousa grande! Vocês dois são o que-não-sei: o tudo, ª.. persistência da lua, apesar das cidades. Umbigo – centro, centro, centro. Umbigo – medida ideal. Havei forte amor! O amor não precisa de memória, não arredonda, não floreia: faz forte estilo.
(Guimarães Rosa)

domingo, março 05, 2006

Pizarnik





...

ella se desnuda en el paraíso
de su memoria
ella desconoce el feroz destino
de sus visiones
ella tiene miedo de no saber nombrar
lo que no existe

...

sexta-feira, março 03, 2006



Quando nos amamos...
tempo que se vestiu de falso nirvana,
cujo sem pudor
cavou abismo para a alma
que hoje vaga numa solidão cativa.

Infinita é a espera por ti,
pois que só sei respirar a saudade tua.
Sou cais de libido,
porto de luxúria
à tua espera.

Se lhe couber o regresso...
rogarei para que
as boas lembranças
sejam teu guia.

O beijo de um dia 13,
inefável desejo,
que ele lhe instigue a fome de mim,
e teu sorriso
ao ler minha poesia,
um arauto de encanto
que matará tua sede
em meu colo alvo,
insaciável de ti.